quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Com eventuais inconstitucionalidades Código do Trabalho chega ao Parlamento

in Expresso

A proposta do Governo com as alterações ao código laboral começa hoje a ser discutida na Assembleia da República.
Quinta-feira, 18 de Set de 2008

Manuel de Almeida/Lusa

Algumas das medidas que constam na proposta de revisão do Código do Trabalho podem ser inconstitucionais, mas o presidente da Comissão do Livro Branco das Relações laborais, António Monteiro Fernandes, desvaloriza a polémica.

"Tenho uma visão pouco entusiástica acerca do papel verdadeiramente transformador das leis do trabalho, que levantam sempre uma enorme polémica que me parece desproporcionada em relação à sua importância efectiva", afirmou o especialista em Direito laboral.

A proposta do Governo com as alterações ao código laboral, que começa hoje a ser discutida na Assembleia da República, resultou de um acordo tripartido na Concertação Social, tendo a CGTP ficado de fora por considerar que a situação dos trabalhadores será agravada.

Segundo António Monteiro Fernandes, "os efeitos positivos" da proposta vão "depender da sua aplicação. "E a experiência que temos é pouco animadora", salientou. que esta polémica lhe parece "desproporcionada em relação ao efectivo" resultado obtido.

O jurista recorda que "a contratação colectiva é reconhecida como direito do trabalhador e não do empregador", tendo por base o princípio de que as partes "não estão em igualdade de circunstâncias". Mas esta alteração "prevê que a contratação colectiva também seja um direito do empregador", defendeu apontando que o que "a Constituição consagra é o direito dos trabalhadores à contratação colectiva".

Monteiro Fernandes esclarece que as principais preocupações nas alterações previstas no Código de Trabalho estão relacionadas com os assuntos mais relevantes a que o Livro Branco procurou responder e que são o combate à não aplicação da lei laboral, combate ao trabalho ilegal, nova caracterização do conceito de trabalho, passando a "ser mais moderno e adaptado à realidade".

A adaptabilidade e a flexibilidade nos tempos de trabalho, a conciliação da vida familiar e do trabalho ou a ampliação de direitos, como na licença parental são outras alterações importantes apontadas pelo ex-secretário de estado do Trabalho, no Governo de António Guterres.

O regime de despedimento, um dos assuntos mais comentados pelos estudiosos da lei laboral, pelos sindicatos e pelos representantes dos patrões, merece de Monteiro Fernandes o comentário de que "não se mexe na justa causa, mas no domínio formal de procedimentos, avançou-se com uma simplificação para desmistificar a grande solenidade de que estão rodeados".

Para o professor de Direito laboral, da Universidade de Coimbra, Jorge Leita, o nova proposta de Código de Trabalho "agrava em muito a adaptabilidade, que é excessiva, afectando a disponibilidade dos trabalhadores e a sua vida" além do emprego, realçando ainda que a proposta "admite que [a adaptabilidade] possa ser imposta mesmo contra a vontade do trabalhador e mesmo sem um instrumento por trás", como a contratação colectiva.

Embora "para a generalidade dos trabalhadores a situação fique pior", Jorge Leite reconhece que, em termos gerais, o conjunto das alterações propostas "não são totalmente contraditórias" com o objectivo de dar mais importância à família.

Quanto ao combate à precariedade do trabalho, "uma das bandeiras desta proposta", Jorge Leite refere que "há algumas medidas que vão nesse sentido", mas "o essencial mantém-se" e os exemplos passam pela existência, no próprio Estado, pela figura de 'outsourcing', ou seja, "adquire-se um serviço em vez de um trabalhador, o que é uma simulação fraudulenta". Por seu lado, o jurista Luís Gonçalves da Silva, refere que entre os pontos positivos da proposta, está a flexibilidade em matéria de tempo de trabalho - embora seja "necessário garantir a efectiva realização da duração do tempo de trabalho sob pena de criar [situações] de conflitualidade" - e o apoio à família, com as melhorias nas licenças.

O especialista defende que esta é uma situação em que devia ser ministrada formação, após o regresso da funcionária (ou do funcionário) quando está ausente por um período mais longo, e reconhece a "necessidade de uma fiscalização muito forte" para assegurar a integração do trabalhador.

A tentativa de simplificação de procedimentos para as micro-empresas e PME é outro dos avanços que este especialista faz questão de frisar. Júlio Gomes, professor de Direito de Trabalho na Universidade Católica do Porto e ex-membro da Comissão do Livro Branco, defende, por seu turno, que "esta não é uma reforma moderna" pois não trata determinados assuntos como o "trabalho equiparado".

O jurista aponta o caso dos trabalhadores independentes (recibos verdes), que não têm dependência jurídica de uma empresa e, por isso, não têm determinados direitos na área social, como férias ou licença de maternidade. Explicou que, em vários países da Europa este tipo de trabalhadores têm uma equiparação a um contrato de trabalho desde que exista dependência económica de uma entidade ou empresa.

Para o professor universitário e ex-membro da Comissão para o Livro Branco, António Casimiro Ferreira, esta reforma "deixa de lado um conjunto de elementos que deviam estar em articulação com o Código do Processo do Trabalho", como mecanismos de protecção social, políticas de formação e de qualificação dos trabalhadores, mas também a fiscalização de normas laborais (para tornar o direito do trabalhador mais efectivo).

Casimiro Ferreira salientou ainda que ainda não foi analisado o impacto desta legislação na actividade dos tribunais, tanto no que respeita aos juízes como ao Ministério Público.

Por outro lado, considera que a proposta para o Código do Trabalho "não promove a negociação colectiva", assistindo-se ao acentuar do individualismo no contrato de trabalho o que vai "precarizar ainda mais o movimento sindical".

Tal como outros especialistas, Casimiro Ferreira salienta o alargamento do período experimental que considera levar a uma facilidade de contratar e despedir, "sem regras de restrição", defendendo que o que está em causa é o custo do trabalho.

Por isso, para Casimiro Ferreira, este é um Código de Trabalho "favorável a empresas cuja actividade assenta em mão-de-obra pouco qualificada", sublinhando que "as boas empresas não precisam deste Código".

Já Gonçalves da Silva defende que o Código "dá passos importantes" no sentido da competitividade, como a flexibilização e a simplificação na relação com as entidades públicas. Mas na produtividade, segue a opinião de Casimiro Ferreira e defende que "é um erro eleger o Código de Trabalho como instrumento que vai resolver os problemas da produtividade", embora seja um dos elementos que pode dar uma contribuição.
Lusa

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